Perífrase


O silêncio de Renata, naquela tarde de domingo em que o sol insistia em prolongar o seu espetáculo, significava muito além da falta de palavras. Da janela de seu quarto, ela observava o horizonte, colorido de um amarelo-avermelhado, como a solidão que ainda não se apagara. Este momento representa algo que Renata não compreende na totalidade. Ela gosta de olhar o mundo de sua janela e pensar que um dia vai chegar além de onde o sol de põe todos os dias. Os minutos gastos para observar aquele fato da natureza não são contados no seu relógio de braço. Cada movimento das nuvens e do astro-rei é contabilizado com o pulsar do coração. Em sua pequena alma de mulher, Renata sonha com a tarde em que não mais viverá tão só. Mas já sente saudades de todos os pores-do-sol que viveu até agora. Ela vai casar na próxima semana.

Quinze Anos


Natália não sabia muito bem qual era o motivo daquele sentimento que lhe atravessava o coração. Algo estranho que colocava um nó na garganta e apertava o peito. Ela caminhava lentamente em direção à sua casa, já atrasada na volta do colégio, enquanto tentava decifrar a tal perturbação. Era uma mistura de solidão, liberdade, amargura, tristeza e alegria. Tudo de uma só vez.

Naquela noite ela faria quinze anos e até havia uma comemoração preparada pela sua mãe. Não ligava muito para esse fato. Pois, o que Natália queria mesmo era sair por aí sozinha, pela cidade, sem um destino certo. Essa necessidade tem a ver com o desejo de ser livre e de estar só, experimentando o doce prazer de respirar em silêncio e ouvir o vento. Isso é algo que ela ainda estava a aprender.

“Quinze anos!” Disse para si mesma quase sem pensar. E repetiu mais uma vez, “quinze anos”. Fase que não se repete, como todas as outras. O que significaria completar quinze anos? As amigas mais velhas diziam que era uma passagem na vida, uma mudança para a maturidade e para a juventude. E essas coisas precisam lá de uma data específica? Questionava a garota sem esperar uma resposta. No fundo, ela sabia que a festa de logo mais à noite seria apenas um teatro a ser representado diante dos amigos e familiares.

Quando passou pelo portão, percebeu que a movimentação na casa já estava um pouco maior do que a rotineira. As pessoas preparavam sua celebração. A mãe já tinha, inclusive, escolhido o vestido que ela usaria mais tarde. Uma roupa de tecido fino e cheia de pequenos detalhes. Não deu muita atenção ao experimentar pela milésima vez a peça e apenas notou um sorriso no rosto matri. A realização parecia ser mais dela do que da própria filha. E Natália sabia disso.

Seguiu em silêncio para o quarto, onde escreveu algumas palavras sem sentido no seu blog sobre toda a confusão sentimental que a deixava assim. Depois deitou na cama e ficou a olhar para o teto, até se entregar lentamente ao sono e dormir. Uma paz dominou sua aura e o rosto adquiriu uma nova forma, como se Natália ainda fosse aquela criancinha de dez anos atrás.

Os olhos estavam um pouco embaçados no momento em que acordou. A mãe, diante dela, dizia qualquer frase sobre o avançado da hora e que os convidados estavam chegando. Natália deixou-se levantar, vagarosamente, como se as forças ainda não tivessem acordado. Preparou-se para o banho, no qual demorou bons minutos experimentando o frescor da água descer pelo corpo e lhe provocar sensações novas de prazer.

Aprontou o cabelo e colocou o vestido brega de princesinha, que não combinava nem um pouco com o piercing que instalara mais cedo na língua, escondida da mãe, na casa de uma amiga do colégio. A boca doía como resposta a esse procedimento aventureiro. Alguns minutos mais tarde o padrasto batia à porta para lhe buscar. Havia ainda toda a cerimônia de descer as escadas de braços dados com o velho. Aquele homem que ela não conhecia muito bem e com o qual dividia o mesmo teto.

Não resistiu e deu o braço. Contudo, percebia-se pelo seu ar de indiferença que não estava sensibilizada com toda a pompa da festa. Justo Natália, que tinha se tornado tão cheia de sentimentos variados, não se comovia com a hipocrisia daquela gente lá embaixo a esperar por ela. Parou por uns 30 segundos no alto da escada, como se fosse desistir de tudo e voltar pro quarto. Essa era realmente sua vontade, mas não se entregou. Com passos lentos, pisou em cada um dos 10 degraus e caminhou em direção aos seus quinze anos, enquanto planejava: no dia seguinte faria uma tatuagem nas costas pra se sentir mais madura.

Arcos e Flechas



Postos para a guerra,
Arcos e flechas,
Mãos que se esqueceram,
De dizer adeus.

Os pássaros já não voam.
O sabiá – meu companheiro,
Não cantou esta manhã.
As lágrimas se misturam com o orvalho e o suor.

Há um canto.
Um som assustador.
Metralhadoras e canhões,
Disparando – corações.

O rio, inundado de corpos,
Tem sua água avermelhada.
É o sangue da vida. Da luta.
Da esperança – de liberdade [?]. E da ignorância humana.

EGO[cêntrico]


Tenho feito algumas análises comportamentais com pessoas [sem elas saberem] e acho que a psicologia me revelou umas verdades inconvenientes. Primeiro, o ego do ser humano é pior do que a bomba atômica. Pois, esse ego [ismo] é que constrói as piores armas e produz as maiores destruições. Essa coisa que fica dentro de nossas cabeças nos induzindo a pensar que devemos ser melhores que o nosso vizinho. Esse sentimento podre que nos leva a desenvolver maneiras macabras de dizer aos demais que eles estão um pouco piores. É isso que faz uma mulher comentar que a sua amiga engordou, só pra se sentir superior. É também essa coisa nojenta que faz o cara entrar pra academia e ficar bombadão, pra mostrar aos amigos a sua força maior. Não é autoestima nenhuma, é ego. Autoestima nos leva a fazer coisas por nós mesmos, não pra aparecer diante dos outros como superiores.

Disse, certa vez, Erving Goffman [um estudioso da antropologia] que estamos sempre representando algum papel diante da platéia. Acho que estou um pouco paranóico com isso. Fato é que me pus a acreditar que não sou um bom ator e me esforço para não o ser. Quero ser contradição nas representações. Vou confundir as cabeças alheias e deixá-las perdidas. Mas, como o assunto aqui é ego, vou cortar o meu um pouquinho e não comentarei mais de mim. Bem, falava do ego alheio. Pois, quero compartilhar mais uma coisa: o mundo está cheio de egos inflados. Quando ando pelas ruas até sinto certo medo. Parecem monstros de sete cabeças. E isso não é o pior de tudo. Sabe o que me levou a escrever toda essa asneirice teórica? Acredite, o meu próprio ego. Não resisti.

RE]verso


Eu quero te falar hoje, assim mesmo em primeira pessoa e sem amarras [com esta narrativa prolixa], de toda a loucura da minha mente. Mas eu te peço que não me toques [nesta noite]. Lave as mãos pra não me contaminar com a tua pureza [depravada]. Já perdi tudo o que era teu.

Nossos passos seguem caminhos [opostos] em direção ao horizonte. O dia vai nascer pra mim. E espero que o sol não se apague. Ainda que não entenda a minha poesia [fraca], ouça de olhos fechados. É de sentir, como a pele em arrepios pelo vento no pescoço. Não vou dizer palavras de amor. Pois, elas já se foram todas.

Vamos contar estrelas, neste mar em estação. Veja o doce-amargo que te alimenta [com o prazer]. Tudo [é contraponto e] o que existe é ilusão. Cante segredos e toque o ar com as mãos. Pegue suas verdades e guarde-as nas árvores.

O tempo é presente, esta surpresa de estar. Seja a tua vida uma rima, uma estrofe [sem nexo]. O refrão é o RE]verso. Inverso? Sempre é permanência. A estrada é transição. ]Sigamos[.