O ano em que a primavera não floresceu



Tive medo de escrever à Catarina sobre o meu dilatado amor por suas flores no cabelo e seu cheiro de primavera. Indecisão por falta de conhecimento das reais intenções afetivas dela à minha pessoa. Menina faceira com cara de anjo e corpo de mulher que arrancou, por muitas estações seguidas, a minha volúpia em silêncio. Ternura em olhos artesanalmente fabricados e postos em uma face esculpida aos longos dos dezenove anos que lhe cobriam a pele com a beleza da juventude recém-chegada.

Ainda sem saber como conduzir o prenúncio de amor, esperei as noites correrem pelo céu até que viesse à mente qualquer ideia de revelação. Era novembro corrente, já pela metade do mês, quando resolvi finalmente dar vazão às prescrições românticas e investir naquele calor brotado do peito. Poderia ser apenas mais uma loucura a ser cometida por este já feito homem de trinta e dois anos, mas a demora por uma resposta espremia sem dó meu coração. Queria saber o que havia por debaixo daqueles cabelos cacheados feito uvas maduras, e não tinha mais alternativa para fiar.

Com passos abertos sobre as pedras úmidas de amanhecer da Rua Direita, segui pelo centro antigo da cidade até a Praça Central, onde poderia comprar rosas e lhe entregar com um escrito, no qual declararia toda a minha paixão. Talvez essa fosse também uma boa maneira de conquistá-la. Diante de sua porta, respirei fundo e toquei a campana. O som do instrumento me fez estremecer. Não havia mais volta. Os instantes seguintes podem ser comparados a séculos, de tão grande o tormento em minhas veias. Se a Catarina me amasse seria um homem mais feliz que pássaro em árvore fruteira.

Passou-se um minuto e não obtive resposta. A porta continuava cerrada e não se ouvia barulho algum de dentro da casa. Toquei novamente a campainha e aguardei ansiosamente por qualquer manifestação de vida. Cinco minutos sem retorno. Sentei-me no meio-fio e esperei por ela. Meia hora debaixo do sol, que acordou com vontade de se mostrar naquele domingo. Uma senhora idosa, que vivia ali por perto, ao ver meu desapontamento, aproximou-se e comentou, quase como se soubesse da minha procura, “a Catarina fugiu com um moço d’outro estado e a mãe está em viagem, senhor”.

A angústia em meu peito subitamente transformou-se em ódio. Aquela espevitada garota que me tirou o sono não tinha o direito de fazer-me de bobo. Joguei o buquê no chão e fui embora, ainda sem saber como reagir à notícia. Com o corpo a arder em rancor, segui até o bar mais próximo e comecei a beber. Afoguei toda a raiva em copos solitários de tristeza e álcool. Lembro-me agora de só ter acordado no dia seguinte, com a mesma roupa de antes, sem saber o que mais aconteceu. Novembro havia de passar, com seu cheiro de amor e velório, e o verão trar-me-ia, quem sabe, outra ternura pra distrair meus pensamentos. Não sei explicar, mas a primavera sempre me faz recordar Catarina, apesar de os tempos passarem e outras flores aparecerem em minha vida.

Poema avulso

Há de ter amor em seus olhos,
Quando me abraça tão suave,
Há de ter algo além do abraço,
Neste espaço que nos envolve?