Amor codificado




Não há código capaz de desvendar
Os enigmas que se escondem no teu coração
Ou tampouco a beleza desses seus lábios
Arma implacável para roubar meu olhar.

Tentei decifrar os dados escondidos na sua digital
Depois da marca que ficou em mim com o seu cheiro
Procurei todas as ferramentas disponíveis no manual
Mas nada foi suficiente para entender esse mistério.


Pedi ajuda até a uma leitora de buzios, cartas e tarot
Na esperança de descobrir a chave para o teu mundo
Fiz promessas, macumba e me ajoelhei em oração
Mas nada me revelou como ganhar este amor,
criptografado.

Poesia incompleta




A letra vaga, solta no papel
Não consegue expressar tudo.
Havia muito mais a ser dito no mundo,
Mas há imprevistos em toda linguagem abaixo do céu.

Do coração, saíram poucas palavras
A maioria ficou entalada nas veias e artérias
Perigo de causar um câncer ou ataque com esse mistério
Ou até mesmo morrer sem ter dito que amava.

O sentimento na ponta do lápis
Brigando com o carbono para sair e existir
Naquela vontade contida de agora e sempre
Pelo desejo de viver uma vez além do sentir.

Ficou o silêncio vagando no ar e na folha
Como quando alguém se vai sem partir
Deixou tudo preso lá dentro de si, numa bolha
E a poesia incompleta, sem jamais redigir.


Por onde amou?


O não amar é sempre mais doloroso e angustiante do que qualquer paixão... É o estado de querer, mas não sentir. Viver depende da entrega, como um barco a vela diante do vento. Do contrário, é como se seguíssemos numa eterna deriva, até encostarmos vazios em uma costa qualquer.

Incêndio mata duas crianças e deixa dor no coração do poeta



Yasmin sentiu os olhos arderem e a garganta doer antes mesmo de acordar. Parecia um pesadelo. De repente, quando despertou, estava nos braços da irmã um pouco mais velha sendo retirada da cama. Não era sonho. A fumaça se espalhava pelo quarto e o calor fazia o suor brotar na testa.

Ela não entendeu o que estava acontecendo. Assim como a maioria das crianças com apenas dois anos não compreendem muitas das preocupações de gente grande. Porém, podia ver as chamas na sala e a TV pegando fogo. Pela cara de desespero da irmã, nascida sete anos antes que ela, era coisa séria.

Ela simplesmente abraçou Juliana e voltou a fechar os olhos. Sentiu um pouco de medo também, mesmo sem saber que incêndio é situação perigosa. Tossiu forte e viu lágrimas brotarem pela ardência. As duas continuaram, abrindo caminho em meio à camada espessa de fumaça que se espalhava pela residência.

Foram somente alguns segundos. Breves, dolorosos. Poucos instantes depois chegaram à varanda, no segundo andar. Os vizinhos já se agrupavam na rua da frente. Mamãe tinha saído bem cedo para trabalhar. As duas não sabiam o que fazer para sair de lá. Então, começaram a chorar, grudadas uma à outra, como se isso fosse lhes proteger das chamas.

O fogo consumia os cômodos rapidamente. Dava até para escutar os estalos dos poucos aparelhos que tinham na casa pequena estourando. De fora, o povo  gritava algumas palavras e ouvia-se pedidos de clemência a Deus. O medo apertou o coração de Yasmim. Ela não conhecia muito bem o sentimento, mas ver Juliana chorar lhe deu uma sensação estranha, daquelas que a gente experimenta ao crescer.

Passaram-se cinco minutos. O teto começou a desabar lá dentro. Na varanda, a fumaça se misturava ao ar. A dor nos olhos ficava forte a cada segundo. Também era difícil respirar. Abraçadas, as duas crianças tremiam na esperança de que tudo acabasse de repente, como nas histórias que a mãe contava dos livros.

Não foi tão rápido, mas tudo acabou. Às vezes, os contos terminam de forma triste. Os corpos foram encontrados ainda juntinhos, parte das roupas queimadas e pele com feridas provocadas pela alta temperatura. Da casa, restou pouco. Em volta, resquícios da devastação. No ar, algumas faíscas de tristeza e uma notícia de poucas palavras no canto da página de um jornal.

Luzes do futuro




Ela andava rápido e com firmeza, sem um sinal de hesitação, e não viu o carro se aproximando. Apenas sentiu o sangue vindo em sua boca, enquanto estava esticada, com os braços abertos selvagemente no asfalto. Luzes mais brilhantes que o Sol iluminaram os olhos. Seu leal cão farejava ao redor, latindo. De repente, tudo se transformou em preto e não conseguia ouvir mais nada. O mundo tinha sido estranho para ela. Seu sorriso triste permaneceu no rosto...

Van acordou se sentindo um pouco diferente naquela manhã. Era inverno e, embora o clima belo-horizontino não fique muito ruim, era um pouco difícil dormir debaixo de uma árvore. Especialmente quando se começa a ficar velho. Com a idade na casa dos 40, se sentia como uma anciã. Já se passaram três anos desde que deixou a casa. A mãe e pai tinham ido para o outro lado. Seu irmão era um traficante de drogas louco. Ela estava sozinha, deixada de lado. Pensando nessas coisas, viver nas ruas não era a pior das escolhas . Pelo menos podia comer todos os dias.

Era junho, a luz matutina atravessou as folhas das árvores e chegou ao seu canto. Ela pegou os trapos e cobriu a cabeça. Seria necessário levantar-se e ir em busca de um café da manhã. Mas não tinha vontade de fazê-lo. Então, decidiu dormir por mais algumas horas. Passava das nove horas quando o ruído do tráfego e as buzinas nervosas a acordou novamente.

Havia um restaurante perto da árvore onde fez sua casa. As pessoas eram gentis e amigáveis. Era lá que ela tomava café da manhã na maioria dos dias. Não naquela manhã. O local foi fechado e, então, Van teve que procurar outro estabelecimento que oferecesse café e algo para ela comer. Seu cachorro estava sempre ao seu lado, também à espera de alimentos .

Nem foi preciso andar muito. Cinco quarteirões da árvore havia um restaurante simples, com um gerente gentil, que lhe deu um saco com a refeição. A vida não estava completamente perdida. Van e o cachorro comeram abundantemente até que ficaram satisfeitos. Depois de comer, poderia finalmente começar o dia. Não havia muitas coisas para fazer, mas ela precisava lavar algumas roupas

A mulher pegou a bolsa com as roupas sujas, com cheiro acre, e foi até a fonte da praça. Os guardas poderiam escurrassá-la a qualquer momento. Assim, ela teria que ser breve na limpeza. Era apenas uma questão de minutos para lavar as três camisas, um casaco, duas calças velhas e uma saia. Essas eram todas as roupas que estavam sujas. E tinham sido usadas por um longo tempo.

Enquanto lavava suas coisas, Van aproveitou para tomar um banho. Foi bom entrar em contato com o líquido limpo. A água estava morna e ela pode sentir a vida se refrescando. Se fosse possível, provavelmente ficaria lá por todo o dia, imaginando que era uma praia. Na verdade, nunca tinha ido para o litoral, mas podia perfeitamente fantasiar como parecia. Porém, o momento de alegria foi quebrado pelos guardas. Levaram-na para longe do paraíso.

Junho foi sempre um bom mês, apesar de todas as noites frias. Van guardava em sua mente as boas memórias da infância, quando sua mãe costumava fazer chocolate quente com biscoitos para ela. Na verdade, podia sentir ainda o gosto em sua boca. Tempos felizes aqueles. Se sua mãe estivesse viva tudo provavelmente seria muito diferente. A vida fica difícil às vezes, quando você não tem uma família para te apoiar, pensou. Mas nada poderia mudar o que já tinha acontecido. Pelo menos tinha o seu cão como um parceiro.

Na hora do almoço, decidiu dar um passeio e ir ao seu antigo bairro para ver alguns velhos companheiros. Estava sentindo falta deles e não havia razão para a saudade, vivendo na mesma cidade. Quem sabe eles a ajudariam a conseguir um emprego e começar uma nova vida. As ruas eram legais, toda a liberdade. Mas ser livre não é tudo o que uma mulher precisa para viver feliz. Então, Van empacotou suas tralhas e marchou avante.

Todos esses pensamentos em sua cabeça já estavam lhe transformando em uma sonhadora. E sonhos são armas perigosas. O futuro poderia ser melhor. Talvez ela seria até capaz de economizar dinheiro suficiente para alugar uma casa. Imaginar essa possibilidade produziu uma lágrima em seus olhos. Se passou um bom tempo desde que ela chorou pela última vez. Foi provavelmente no funeral de sua mãe. Mas ela estava confiante de que este dia seria o seu dia. Distraída, ela começou a atravessar a avenida e não percebeu que as luzes estavam vermelhas para os pedestres... (Baseado em um caso real)