Palavras de uma tarde qualquer



O silêncio preenchia aquela caixa metálica espelhada enquanto quatro pessoas, incluindo a ascensorista e eu, subíamos para alguma sala do edifício.

[O elevador está no quarto andar...]

Uma voz feminina, já meio rouca pela idade, quebra o ar em uma frase quase sem sentido.

“...eles fazem isso só hoje e depois esquecem tudo”.

Disse aquela senhora que aparentava seus cinqüenta e poucos anos e segurava um panfleto. No papel, a imagem de uma mão atravessada na greta de uma cela segurando uma rosa vermelha. Na capa, letras uniformes: “Dia Nacional de Luta Antimanicomial”.

[O elevador passa pelo quinto andar...]

Senti um nó subir pelo peito e engasgar na garganta.

“Mesmo que seja só por um dia, mas não podemos perder a capacidade de nos sensibilizarmos diante de determinadas questões sociais”.

Essa foi a resposta que eu senti vontade de dar à senhora, quando ela questionou a movimentação.

[O elevador passa pelo sexto andar...]

Entendo a revolta daquela mulher pela passividade das pessoas quando lhes são apresentados alguns problemas. Apenas por este ponto de vista. Mas, eu me sensibilizei com a tal manifestação pelas ruas de Belo Horizonte. Talvez tenha sido mesmo só por algumas horas, mas fui tocado.

[O elevador passa pelo sétimo andar...]

As letras dos cartazes, o barulho do som no caminhão e aqueles olhinhos que me observavam enquanto os Seres Humanos marchavam. Aquilo me tocou de uma forma profunda e eu chorei. Pensei em quanto eles devem sofrer trancafiados dentro de um quarto por serem diferentes. Penso também que a minha emoção, em parte, foi pelo fato de ver uma manifestação. Um aglomerado de pessoas que gritavam por mudanças no comportamento social.

[O elevador para no oitavo andar...]

Isso é luta. E a luta existe sempre que há esperança e a necessidade de transformação. Espero que esse sentimento aqui dentro de mim não passe. Espero também que permaneça a capacidade de ver os outros, e não somente o meu umbigo.

[A porta do elevador se abre...]

Saio da caixa ainda pensativo e sem ter dito sequer uma palavra.

Um comentário:

Aline Ramos disse...

E sem ter dito uma palavra se quer...

que lindo... adoro isso, vc transforma o que vc vê em palavras... lindo!!!

Adorei... falando nisso vi um livro desse por ae... heheheh