Poíesis


Viver sem poesia é quase uma tormenta. Disse que não mais beberia desta fonte que me entorpece a cada madrugada vazia. Mas como ficar sem o alimento que mantém a minha alma viva? Esta abstinência me tira as forças e, novamente, tenho que beber - só mais um gole - da pura, genuína e insecável poíesis. Esta ação de reflexão, para o contorcionista da palavra, que se desfaz em encanto pelo canto das sereias, em cada esquina do teu olhar.

Não é de areia que se fazem os sonhos, como os castelos a beira-mar. Tampouco a poesia, pois ela tem muito a ver com os sonhos. Certa vez sonhei que era poeta. Outro dia quis fazer um sonho. A massa passou do ponto e minhas palavras se perderam. Mas continuo a tentar compor, neste esforço de criação, por alguma página de emoção. Só não me condene se em meio a tantas melodias perversas eu disser algo profano, como Amor e Solidão. Faz parte da minha arte de labutar: praxis humana.

Melodrama


Hoje o relógio parou...

Estava eu lá, sentado, a olhar para o movimento dos ponteiros, quando, de repente - não mais que de repente, pois não gosto do suspense prolongado – as horas simplesmente não mais existiam. Senti um calafrio. As horas, os minutos, os segundos, e todas as outras frações temporárias, já não se moviam. Pensei que havia me transportado, como naqueles filmes de ficção científica, para outra galáxia. Era mesmo a sensação de hipnose, de alguma coisa psicanalítica ou extratelúrico. Talvez os ponteiros tivessem me abduzido pra dentro do tempo. Então, eu ficaria pra sempre naquele momento. Você deve pensar: “que insensatez dizer uma asneirice dessa”. Mas foi a mais pura verdade. E, depois daquele transe astronáutico, fiquei meio assim. Só agora percebi que tudo aquilo era fome e que as pilhas do relógio tinham acabado. Que coisa!

Lado triste


Ainda lembro da sua cara de susto, quando te disse pela primeira vez alguma palavra de amor. Não foi minha intenção te amar, mas o amor é mesmo algo não intencional. Depois daquele momento, tua resposta bastou para que eu entendesse tudo. Tua resposta fora o silêncio, como sempre. Sei das nossas intenções de querer apenas um presente que se prolongue por todo o futuro, sem preocupações, nem desavenças. Mas meu erro foi te dizer, naquela tarde, do meu amor. Não precisávamos de amor. O que nós queríamos era só permanecer lado a lado, em todas as tardes, sem nada pra dizer, apenas amando. Pena! Descobri isso tarde demais.

Hora de partir


Fizeram de nós apenas espiões, que nunca entendem o que esperam. Quem sabe encontraremos o Sol... Depois poderemos ir embora e jantaremos sem apetite, um alimento frio. Não diga não, não diga. É o que nós temos nessa noite. Todo o sabor da angústia e da derrota. Poderemos espiar mais tarde, quem sabe. Vamos descobrir novos planetas, pra morar em tempos de guerra.

O quê? É, ou melhor, talvez. Mas prefiro que continue silenciosa, como as rosas de plástico na porta da funerária. Macabro? Pode até ser, mas não falaremos mais disso, deixemos para os outros - os outros. Os outros não sabem do fim, nem do começo, nem ainda dos momentos que estão no meio.

Sei que é um pouco confuso, um pouco difuso, ante ainda com a saudade. Fica tudo mais branco com a saudade. Ah, a saudade. Iremos embora quando for ainda cedinho, espiar em outras freguesias. Sim, não chore. É necessário partir antes que o Sol venha. Quiçá, ainda dê tempo de dizer adeus.

É tempo de abraçar sua história, seguir vida adentro, em busca d’alguma promessa. O trem vem logo, então durma. Sempre é hora de ficar mais perto. Ficaremos mais perto sempre. Já nos cansamos desta espera sem esperança. Avante, não há o que temer. Continue com o silêncio, quero ouvir ainda e somente esta memória que vem de longe. Só não deixe a solidão te acompanhar. Espreita! Vamos fugir pela calada da noite, para que não saibam de nossos medos.

Iremos longe, creia. Quem sabe alcancemos no horizonte um novo Sol. Desses que não exigem espia. Mandaremos, então, alguma carta de préstimo pra quem ficou de cá. Acho que estou meio perdido. Está escuro aqui, me abrace. Tenho medo de não te encontrar quando acordar. Vou ficar assim, a vigiar. Não quero te perder, agora que estamos tão perto de nós, tão longe de tudo. Apenas abrace, e não diga nada. Teu silencio ficará emprenhado na parede dos meus sonhos...

A Tempestade


“Trouxe flores mortas pra ti
Quero rasgar-te e ver o sangue manchar
Toda a pureza que vem do teu olhar
Eu não sei mais sentir”


Renato Russo e Cia

Oposto


Não sou da direita, nem da esquerda, sou do Oposto. O Oposto de baixo e de cima, de branco e de preto, de alegria e de tristeza. Oposto é nostalgia, é mais que meio-termo, é mais que lugar-comum. Oposto é o que pode ver sempre por um ângulo diferente, é o anti-retrato, por dentro da parede. Ser Oposto não é ser arrogante, é ser contestador de toda a obviedade que se apresenta às claras e às escuras. Ser Oposto é ser, até mesmo, anti-oposto, sempre que precisar. Con-teste, O-ponha-se (Ou ponha-se).

Mistério

Escuros,
Como uma nuvem,
Em tarde de chuva - densa,
Estavam meus pensamentos,
A procura de uma explicação - lógica,
Cronológica - mente programados,
Para entender tuas explicações,
Depois do amanhecer.

Depois do amanhecer,
Você não apareceu,
O que veio foi a saudade,
Visitar meus pensamentos,
Em manhã densa - de chuva,
Como uma nuvem escura,
Natural - mente.

Naturalmente,
Você voltará - densa,
Como a chuva,
Em dia ainda escuro,
A procura de um abrigo - seguro,
Para a saudade.

Para a saudade,
Não há, naturalmente, amanhecer,
O que há são pensamentos - densos,
Carregados de Você,
Como a lógica da mente - chuva, de Mistérios.

Poetas


Escrevo para aliviar as dores da Alma. Porquê, entenda bem meu nobre amigo, as aflições dos poetas não passam com antidepressivos. O que cura nossa dor é um pouco de álcool, uma caneta e um pedaço de papel. Poetas são como loucos, nunca sabem bem o que dizem nem porque dizem, mas mesmo assim insistem em dizer.
É um vício, um ócio, um ácido a corromper nossas entranhas. Poetas não são de pedra, são de ferro, e se corroem com as lágrimas - como a brisa do mar. E isso nos dá um prazer enorme. Um gozo que não se explica, nem se traduz. Nossas loucuras são puras, nossa insanidade nos alimenta, diariamente, com um pouco de esperança. Não queremos ser curados, apenas esvaziar, dia após dia, a bagagem de palavras que se acumulou de alguma desilusão.
Poetas são amantes, estúpidos, caricatos, depravados. São gente que vive no mundo da lua. Eu sou poeta, meu Deus!

Estações


Do lado de cá, estávamos nós, a sonhar com outro verão. Porque as estações se vão com as pessoas? Era melhor se os amores permanecessem, pelo menos em cada inverno, para aquecer novamente os olhos dos tristes amantes.
Neste verão, você se vai e eu ficarei tão só, a espera de outra estação mais feliz. O nosso trem não passou, ele está com as andorinhas, em círculo, pelo ares da primavera que arrancou as flores de minhas mãos.
O gelo será quebrado e as paredes não resistirão ao vento gelado que sairá por entre esses vazios. Os vazios são sempre gelados. Quando você não está para preencher meu coração. Mas quem sabe, noutro outono, tudo será diferente. Sem melancolia, sem amor, sem poesia, sem nada...
Apenas nós, como as andorinhas que sempre voltam a se encontrar nesta dança clássica. Resistiremos as estações?

Lunáticos


Meu Amor, não se encante tanto com meus sonhos, pois eles são só um disfarse para o que eu realmente quero. Não se ilude com as minhas promessas nem acredite que vou te amar pra sempre. Tudo isso é só uma forma de estar mais perto, mais certo, mais crédito.
Olha bem, não é que eu não te queira bem, mas meu mundo é maior do que qualquer solidão. Na verdade eu só não sei querer-te assim, como se os segundos fosses eternos. Os segundos passam, as horas vêm e eu preciso ir. Pois, é lá, depois de cada montanha, que está a minha esperança. Ela me chama. Você vem?
Não me acompanhe sempre, a menos que queira chorar comigo atrás da árvore. Sabe meu amor, mais uma coisa tenho a te dizer, a lua me consola em noites espassas de pouca companhia, e isso é bom. Se me entendes dessa forma, saberás que o meu amor será eterno, em cada ciclo de lua cheia, até que novamente se renove em outro olhar, pra sempre...

Marisa Monte

Para reflexão diária.

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