O dia já começou agitado para Marcos naquela segunda-feira. Depois de um fim de semana sem muita diversão, já que levara trabalho para casa, ele iniciava a rotina com a mesa abarrotada de processos. Ser advogado trabalhista não era fácil, mas pelo menos não faltava o que fazer. Chegou ao escritório mais cedo que os demais sócios e empregados, lá pelas seis e meia da manhã. Nem sequer havia tomado café em casa com a esposa. Ela, provavelmente, ainda estaria dormindo, pois não fazia nada da vida além de estourar o cartão de crédito mensalmente.
Antes das sete e quarenta e cinco a cabeça começou a doer. Era algo de costume. Bastava começar o dia sem um bom café para aquela merda de dor aparecer. E Marcos não queria perder o seu tempo com o lanche. Um dos clientes ligaria para ele logo-logo para saber como estava o andamento do processo. Não havia boas notícias. O caso era complicado para apresentar recursos, pois se tratava de acidente de trabalho. Diante da tela do computador e de uma pilha de papéis ele tentava se concentrar.
O relógio marcava oito horas e cinco minutos. Demoraria mais de vinte até a empregada chegar para preparar o café na empresa. Não dava para continuar o serviço sem a cafeína no cérebro. Maldito vício, pensou Marcos enquanto planejava mentalmente onde iria tomar seu desjejum ou mesmo só uma xícara do líquido-remédio. Folheou os documentos involuntariamente, enquanto o tempo corria lentamente. Decidiu sair e ir à lanchonete em frente ao prédio. Pegou as chaves, a carteira e os óculos escuros na maleta. O sol já estava forte lá fora.
O elevador custou a chegar ao térreo. Parou quatro vezes desde o décimo andar, onde ficava o Escritório de Advocacia e Contabilidade Medeiros & Associados, local em que Marcos passara boa parte daqueles cinquenta e cinco anos de vida. Não era um espaço muito grande, mas também não era pequeno. Comportava uma sala de reuniões, duas salas divididas por ele, o outro advogado e o contador, além de uma para os dois estagiários, a cozinha minúscula e a recepção, da secretária. Era ali a sua estimada segunda moradia. Alguns dias ele até se sentia melhor na empresa do que em casa, com a mulher a lhe encher a paciência a todo o momento.
Marcos parou na calçada e olhou para o céu. Era uma manhã clara, com poucas nuvens lá em cima. O calor nas últimas semanas estava quase insuportável e aquela prometia ser mais uma segunda-feira de altas temperaturas. Nem ao menos esperou o sinal fechar, atravessou a rua correndo e escutou os carros que vinham em sua direção buzinando. Chegou à outra margem na calçada e, poucos passos à frente, entrou na lanchonete, que trazia na entrada uma placa antiga com o nome Doce Paladar. Não era um lugar de gente rica, mas podia-se perceber que tudo estava sempre asseado e limpinho. Todas as vezes que ele madrugava para o trabalho, era lá que fazia sua primeira refeição diária. Talvez fosse o visitante mais bem-vestido do estabelecimento, mas nunca pensou nisso.
Pediu um café com adoçante e um pão de queijo. Tomou vigorosamente e percebeu como as substâncias percorriam os seus órgãos internos. Uma sensação de alívio inundava cada célula e a dor de cabeça foi desaparecendo até que, no último gole, nem havia mais qualquer sinal dela. Marcos pagou a conta e saiu. Resolveu agir corretamente e atravessar na faixa de pedestres desta vez.
Parou na calçada e nem reparou que um jovem se aproximava dele. Sentiu apenas a voz meio rouca e o bafo em seu pescoço, juntamente com algo lhe sendo encostado contra o corpo. O homem disse para ele passar o dinheiro e ficar quieto, dessa forma, nada de mal seria feito. O único problema era que não tinha mais dinheiro na carteira, pois havia separado apenas o valor do café. Tentou virar-se para explicar que poderiam ir até o escritório, onde pegaria a quantia que o assaltante quisesse. Não houve tempo. O frio que lhe percorreu a espinha e o barulho abafado do tiro foi a única resposta que obteve.
Como a rua estava movimentada, ninguém sequer notou quem cometera o crime, ou não quis perceber. Marcos viu tudo girar a sua volta até ficar escuro. Não chegou a ver o rosto do infeliz, que seguiu firme em qualquer direção. O sangue quente com cheiro de café da manhã lhe escorria pela camisa e molhava a gravata. Caiu no chão sujo do fim de semana. Os óculos e as chaves escorregaram de suas mãos. Em poucos segundos, despediu-se do mundo, os olhos abertos, virados para o céu iluminado, cheio de luz em mais uma segunda-feira brilhante.
5 comentários:
Muito bom, Milson. Parabéns por mais uma bela crônica.
Realmente uma crônica que prende. Viajei por cada linha, o que me fez parar por alguns instantes e pensar na vida. Lindo.
Top Top, meu caro e prezado, estimado e querido amigo Milson!!! Nunca é demais afirmar, adoro seus escritos e boto muita fé em ti!!! Keep Going!
BEAR'S HUGS.
Fico me perguntando o quanto vale a vida.
Tocante, muito bom!
Adorei o blog!
Sigo você.
Beijos.
Gosto de contos que retratam o dia a dia assim!
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