Yasmin sentiu os olhos arderem e a garganta doer antes
mesmo de acordar. Parecia um pesadelo. De repente, quando despertou, estava nos
braços da irmã um pouco mais velha sendo retirada da cama. Não era sonho. A
fumaça se espalhava pelo quarto e o calor fazia o suor brotar na testa.
Ela não entendeu o que estava acontecendo. Assim como a
maioria das crianças com apenas dois anos não compreendem muitas das
preocupações de gente grande. Porém, podia ver as chamas na sala e a TV pegando
fogo. Pela cara de desespero da irmã, nascida sete anos antes que ela, era
coisa séria.
Ela simplesmente abraçou Juliana e voltou a fechar os olhos.
Sentiu um pouco de medo também, mesmo sem saber que incêndio é situação
perigosa. Tossiu forte e viu lágrimas brotarem pela ardência. As duas
continuaram, abrindo caminho em meio à camada espessa de fumaça que se
espalhava pela residência.
Foram somente alguns segundos. Breves, dolorosos. Poucos
instantes depois chegaram à varanda, no segundo andar. Os vizinhos já se
agrupavam na rua da frente. Mamãe tinha saído bem cedo para trabalhar. As duas não
sabiam o que fazer para sair de lá. Então, começaram a chorar, grudadas uma à
outra, como se isso fosse lhes proteger das chamas.
O fogo consumia os cômodos rapidamente. Dava até para
escutar os estalos dos poucos aparelhos que tinham na casa pequena estourando.
De fora, o povo gritava algumas palavras
e ouvia-se pedidos de clemência a Deus. O medo apertou o coração de Yasmim. Ela
não conhecia muito bem o sentimento, mas ver Juliana chorar lhe deu uma sensação
estranha, daquelas que a gente experimenta ao crescer.
Passaram-se cinco minutos. O teto começou a desabar lá
dentro. Na varanda, a fumaça se misturava ao ar. A dor nos olhos ficava forte a
cada segundo. Também era difícil respirar. Abraçadas, as duas crianças tremiam
na esperança de que tudo acabasse de repente, como nas histórias que a mãe
contava dos livros.
Não foi tão rápido, mas tudo acabou. Às vezes, os contos
terminam de forma triste. Os corpos foram encontrados ainda juntinhos, parte
das roupas queimadas e pele com feridas provocadas pela alta temperatura. Da
casa, restou pouco. Em volta, resquícios da devastação. No ar, algumas faíscas
de tristeza e uma notícia de poucas palavras no canto da página de um jornal.
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