Quinze Anos


Natália não sabia muito bem qual era o motivo daquele sentimento que lhe atravessava o coração. Algo estranho que colocava um nó na garganta e apertava o peito. Ela caminhava lentamente em direção à sua casa, já atrasada na volta do colégio, enquanto tentava decifrar a tal perturbação. Era uma mistura de solidão, liberdade, amargura, tristeza e alegria. Tudo de uma só vez.

Naquela noite ela faria quinze anos e até havia uma comemoração preparada pela sua mãe. Não ligava muito para esse fato. Pois, o que Natália queria mesmo era sair por aí sozinha, pela cidade, sem um destino certo. Essa necessidade tem a ver com o desejo de ser livre e de estar só, experimentando o doce prazer de respirar em silêncio e ouvir o vento. Isso é algo que ela ainda estava a aprender.

“Quinze anos!” Disse para si mesma quase sem pensar. E repetiu mais uma vez, “quinze anos”. Fase que não se repete, como todas as outras. O que significaria completar quinze anos? As amigas mais velhas diziam que era uma passagem na vida, uma mudança para a maturidade e para a juventude. E essas coisas precisam lá de uma data específica? Questionava a garota sem esperar uma resposta. No fundo, ela sabia que a festa de logo mais à noite seria apenas um teatro a ser representado diante dos amigos e familiares.

Quando passou pelo portão, percebeu que a movimentação na casa já estava um pouco maior do que a rotineira. As pessoas preparavam sua celebração. A mãe já tinha, inclusive, escolhido o vestido que ela usaria mais tarde. Uma roupa de tecido fino e cheia de pequenos detalhes. Não deu muita atenção ao experimentar pela milésima vez a peça e apenas notou um sorriso no rosto matri. A realização parecia ser mais dela do que da própria filha. E Natália sabia disso.

Seguiu em silêncio para o quarto, onde escreveu algumas palavras sem sentido no seu blog sobre toda a confusão sentimental que a deixava assim. Depois deitou na cama e ficou a olhar para o teto, até se entregar lentamente ao sono e dormir. Uma paz dominou sua aura e o rosto adquiriu uma nova forma, como se Natália ainda fosse aquela criancinha de dez anos atrás.

Os olhos estavam um pouco embaçados no momento em que acordou. A mãe, diante dela, dizia qualquer frase sobre o avançado da hora e que os convidados estavam chegando. Natália deixou-se levantar, vagarosamente, como se as forças ainda não tivessem acordado. Preparou-se para o banho, no qual demorou bons minutos experimentando o frescor da água descer pelo corpo e lhe provocar sensações novas de prazer.

Aprontou o cabelo e colocou o vestido brega de princesinha, que não combinava nem um pouco com o piercing que instalara mais cedo na língua, escondida da mãe, na casa de uma amiga do colégio. A boca doía como resposta a esse procedimento aventureiro. Alguns minutos mais tarde o padrasto batia à porta para lhe buscar. Havia ainda toda a cerimônia de descer as escadas de braços dados com o velho. Aquele homem que ela não conhecia muito bem e com o qual dividia o mesmo teto.

Não resistiu e deu o braço. Contudo, percebia-se pelo seu ar de indiferença que não estava sensibilizada com toda a pompa da festa. Justo Natália, que tinha se tornado tão cheia de sentimentos variados, não se comovia com a hipocrisia daquela gente lá embaixo a esperar por ela. Parou por uns 30 segundos no alto da escada, como se fosse desistir de tudo e voltar pro quarto. Essa era realmente sua vontade, mas não se entregou. Com passos lentos, pisou em cada um dos 10 degraus e caminhou em direção aos seus quinze anos, enquanto planejava: no dia seguinte faria uma tatuagem nas costas pra se sentir mais madura.

Um comentário:

Jackie disse...

Milson, adoro ler seus textos! Hoje vou começar a ressucitar meu bloguinho, depois passe por lá. Mil bjos pra vc!

http://naondadarua.blogspot.com/

Jaque