Paris já não tem o mesmo brilho


ESTE TEXTO TAMBÉM FOI PUBLICADO NO JORNALIRISMO.

Eram sete horas e vinte e três minutos. José Armando Pontes acordou impaciente naquela manhã de domingo, 31 de maio. À noite embarcaria para uma longa viagem. Apesar de ir com freqüência à Paris, esta seria a primeira vez que ele passaria o aniversário na capital francesa em companhia de sua esposa, Maria Lúcia Antunes Pontes. Ele ficou deitado na cama ainda por alguns minutos, antes de se levantar para o café da manhã. Pensava na vida e em tudo o que conseguira até ali. Era um advogado com uma carreira invejável e tinha uma mulher amável ao seu lado. Maria Lúcia, por sinal, também permanecia na cama. Ela não tinha acordado e, em seu sono, percebia-se uma calmaria profunda. Talvez estivesse a sonhar com a viagem de logo mais.

Armando permaneceu por cerca de quinze minutos relembrando alguns momentos de sua vida. Depois disso, colocou-se de pé e foi até a cozinha. A empregada já havia preparado o café da manhã e ele resolveu levar uma bandeja para sua amada. Acrescentou uma maçã, um copo de leite e um iogurte ao lanche matutino, que esbanjaria junto de Lúcia. A esposa nem acreditou quando acordou, com um beijo de seu marido, e viu aquela obra de arte em sua frente. Arte mesmo, porquê o casal sempre levou a vida como se fosse um grande espetáculo, ou talvez uma pintura clássica, onde a emoção deveria estar sempre presente. Aquela cena foi uma das mais felizes que eles tiveram nos últimos dias e simbolizava a união.

Às nove da manhã, Márcio Lucas Pontes, filho de Lúcia e Armando, chegou à casa dos pais para passar o domingo e ajuda-los a finalizar os preparativos para a viajem. Seriam 15 dias de muita diversão em Paris, cidade onde eles passaram a lua de mel e que, por isso, tinha um sentido especial para o casal Pontes. Conseguiram terminar todo o trabalho ao meio-dia. Os dois filhos de Márcio Lucas também estavam na casa e não deixavam o silêncio passar por perto. Corriam de um lado para o outro como se fossem dois coelhos. A família era uma das coisas pelas quais o advogado mais tinha orgulho.

Às treze horas o almoço estava na mesa. Todos se juntaram para saborear um peru assado e diversas delícias que Lúcia ajudara a empregada a preparar. Entre uma colher e outra, José Armando contava uma piada ou relembrava com um brilho no olhar de algum fato de sua infância, adolescência e juventude. Contou, talvez já pela milésima vez, do dia em que conhecera sua esposa. Foi durante um baile, na casa de uns amigos, em uma noite de sábado. Eram jovens naquele tempo. Ele com 18 anos e ela com 17. Amor que durou por toda a vida, desde aquela noite.

Às dezessete horas, todos se preparavam para a saída. Precisavam ir logo para o aeroporto, pois, como era tarde de domingo, o trânsito deveria estar congestionado com as pessoas voltando da praia. Quando já estavam no carro e a casa trancada, Armando se lembrou que havia esquecido algo. Voltou rápido ao interior da residência e buscou. Não comentou com ninguém. Era o primeiro cartão postal que ele comprou em Paris, em 1959, durante a lua de mel. Iria dar de presente à esposa quando chegassem à cidade.

Chegaram ao aeroporto às dezoito e trinta. O Voo estava programado para as dezenove horas. Despediram-se do filho, nora e netos as dezenove e vinte minutos, pois a partida do voo 447 da Air France atrasou. Lá do alto, dentro do avião, Armando e Lúcia ainda observaram a cidade onde viveram juntos por mais de meio século. Aproveitaram para tomar um calmante e dormir durante o trajeto. Cerca de cinco horas depois, enquanto dormiam, o avião teve problemas técnicos e eles, juntamente com outras 226 pessoas, terminaram a viagem antes do fim. Não veriam Paris novamente.


OBS.: Os personagens dessa história são fictícios, mas os relatos podem apresentar semelhanças com casos reais.

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