Sem destino


O forte cheiro de álcool exalava por seus poros com um azedume que embrulhava o estômago de todos ao redor. Os olhos murchos de cansaço e as mãos trêmulas, sobretudo pela idade já avançada, miravam para qualquer direção. José Antônio vivia pelas ruas em busca de algum sentimento, vagando livre na cidade sem muitas pretensões.

Naquela noite, ele caminhou desde o pôr do sol, carregando ao lado da cintura a garrafa de cachaça e nas costas um saco com alguns pertences. Às vezes parava e deitava sobre o chão úmido e sujo. Simplesmente permitia-se tal privilégio em meio a toda aquela gente correndo de um lado para o outro. Passavam apáticos à sua presença, como se fosse apenas mais uma árvore, um cachorro ou um rato.

A dignidade era algo que ele não conhecia muito bem. Aliás, sabia do que se tratava e até tinha seu orgulho, mas não valorizava tanto. Por volta de meia noite, Antônio sentou-se no ponto de ônibus, fazendo as pessoas se levantarem com seu odor. Ele percebia o incômodo que era na sociedade. Não se orgulhava nem se envergonhava por isso, apenas seguia firme.

Depois de tentar entrar nos três primeiros ônibus e ser impedido de embarcar, sentiu um pouco de ódio em seu coração pelo desprezo. Bebeu o restante de álcool que restava na garrafa e a jogou num canto. Escarrou e cuspiu um líquido amarelado. Estava decidido a pegar o próximo coletivo, sem outras opções.

No meio dos passageiros, o idoso de mau cheiro entrou no veículo e sentou-se em um assento preferencial. Conseguiu escutar murmúrios, insultos e alguns olhares de indignação. Não se preocupava, mas todas essas coisas feriam aquele fio de dignidade que ainda lhe restava. Sentado, começou a dobrar papeis como quem passa tempo.

Puxou papo com o cobrador e, vez ou outra, trocava o material que segurava nas mãos. A destreza em amassar, dobrar e recortar os pedaços de papel se assemelhava à de quem é profissional de longa data. Cerca de 10 minutos depois, ainda escutando comentários sobre ele, entregou uma caixinha de presente, feita na hora, para o cobrador como pagamento pelo transporte e desceu do ônibus.

Não disse muitas palavras, não retrucou os olhares e tampouco pretendeu se mostrar além de seu ser fedido e alcoólatra. José Antônio mereceu, por isso, algumas palavras que lhe reconhecessem como ser humano. Letras simples como ele e que, provavelmente, mesmo assim não conseguiria ler. Agora deve estar vagando por aí, sem preocupações com o que a vida há de lhe oferecer ou tirar amanhã. Essa é uma tal liberdade que ninguém poderia lhe negar ou oprimir, pois vem de sua mente.

2 comentários:

Thiago Andrade disse...

Belíssimo. Parabéns pela sensibilidade.

Pepper disse...

aeeeeeeeee!
depois de algum tempo sem postar...