Romance contemporâneo: desejo e solidão



Nem todos os nossos passos foram certos e firmes naquela madrugada de sábado, quase manhã de domingo. Saímos da boate depois de alguns beijos ardentes e já desejosos de algo mais. Percorremos, em poucos minutos, os três quarteirões que separam a casa noturna do apartamento dela, mulher feita, de pose, que vive bem, em cobertura da zona sul. Enquanto eu sou apenas mais um jovem aventureiro que curte loucuras fora da linha e mora em república estudantil. No caminho, conversamos sobre amor, sexo e futuro. Palavras vazias que voavam pelo ar, como a fumaça do cigarro nojento tragado lentamente por aquela boca carnuda.

Seguia-a, tal um cachorro perdido a qualquer sujeito desconhecido que lhe afaga a cabeça. Não era carência. Talvez fosse, antes disso, necessidade de solidão. Pois, só percebemos mesmo que desejamos estar solitários depois que a noite acaba e estamos sobre os lençóis amassados e com alguém estranho ao nosso lado. Mas isso é assunto pra ser discutido em linhas ainda por vir. Acompanhei o caminho sem questionar a minha direção. As respostas para as perguntas eram sempre planejadas, inconscientemente, como tentativa de me elevar o mais perto do seu mundo, tão distante, quase escondido aos olhos do meu universo errante.

Senti certo palpitar diferente em meu peito. Tive medo de ser carinho puro, daqueles que nos levam ao amor. Mas não vacilei e continuei até o prédio seguinte, frondoso, onde entraríamos. Senti, por alguns momentos, a sua mão a querer tocar a minha, e todas essas coisas que acontecem em primeiro encontro. Embarcamos no elevador espelhado, onde podia se ver por todos os ângulos. Receei que aqueles reflexos fossem olhos a nos observar, como se condenassem a nossa aventura. Repreensão de mãe por algo errado. Mas passou rápido. A caixa se abriu e saímos em direção a uma das portas à frente.

Enquanto a chave girava na fechadura, pensei em como as coisas são sutis. Não sabia ao menos seu nome completo e tampouco ligava para este fato. Queria mesmo era sentir suas pernas me cercando enquanto movimentava-me dentro do seu corpo. Mas este acontecimento ficaria pra mais tarde. Ela me convidou a entrar no pequeno, porém belo, apartamento. Diferente de todo lugar onde já pisei. No chão, um tapete com estampa de pelos de zebra. Pela parede, quadros de uma arte abstrata, pós-moderna e emocionante. Ao canto da sala, sobre a mesa, outro objeto revelou-me mais um pouco dela: livros abertos com dizeres de filósofos gregos e, ainda, uma estante recheada de clássicos de todas as literaturas.

Observei a habitação, como se fosse um animal a reconhecer o novo ambiente. Ela foi à cozinha e retornou em seguida, com duas taças. Ao notar as rugas na minha testa, explicou-me as artes. Falou sobre o quadro em que se viam olhos femininos com lágrimas de vidro. Foi aí que pensei em minha ignorância artística. Recebi a taça e provei o líquido gostoso. Doce álcool com sabor de morango. Ouvia-se o som que começava a tocar. Uma voz romântica, meio rouca, cantava qualquer canção européia, estilo rock melódico.

Sentamos na sacada para beber e conversar. A lua estava brilhante junto a todo aquele céu escuro, misterioso. Falamos novamente de amor, sexo e futuro e ela acendeu mais um cigarro. Entre um gole e uma frase esparsa, alguns beijos. Quando as taças já estavam quase vazias ela segurou em minha mão e disse: “vamos...”. E fomos. Os beijos se intensificavam e as peças de roupa caíam. O frenesi tomou conta dos nossos corpos.

Depois de tantos movimentos repetitivos, audazes, e de um estremecer que parece nos tirar e devolver a alma em segundos, ela se acalmou. Estava exausta e meio tonta, vi nos seus olhos. Sorriu e eu a beijei. Permaneci acordado, enquanto ela, deitada no meu peito, mergulhava em sonhos incógnitos. O dia foi amanhecendo aos poucos e, pela janela, pude ver a lua se despedindo. Em minha mente, pensamentos recônditos entravam em ebulição.

Levantei-me levemente para não acordá-la. Vesti a blusa e as outras peças do meu traje. A pele ainda estava úmida pelo suor. Fui ao banheiro e esvaziei a bexiga, quase por estourar de tanto mijo. Pela porta do quarto, observei por alguns instantes aquele corpo nu a dormir. Abri a porta da sala e saí para o corredor. O elevador não demorou muito. Desci pensativo. Já do lado de fora do edifício eu lembrei que não tinha o telefone dela, nem ao menos recordava o número do apartamento. Não dei muita atenção a isso e segui andando. Queria apenas ficar sozinho pra curtir minha solidão.

Um comentário:

Aline Ramos disse...

Milson...

Adoro esse tipo de ficção...

Dorei...

Bjus