Trilogia do Tempo em Giro - Se a vida não fosse puta



ESTA CRÔNICA TAMBÉM FOI PUBLICADA NO SITE JORNALIRISMO.

Patrícia entrou no táxi depois de esperar por quase 30 minutos no ponto em frente ao motel. Tanto tempo se justificava pela localização do estabelecimento, uma rodovia fora do perímetro urbano. Essa fora mais uma noite de muito trabalho e pouco prazer. A maquiagem já havia sido retocada cerca de cinco vezes nas últimas oito horas. Na bolsa, além do batom vermelho e demais utensílios de beleza, ela levava o dinheiro que ganhara de homens enfadonhos, gordos e rabugentos que lhe contrataram para alguns minutos de sexo.

A rotina daquele trabalho há muito não lhe dava esperança de encontrar o príncipe encantado que se apaixonaria por ela, a puta bela de pernas grandes e poses extravagantes. Dentro do táxi ela percebia a paisagem pobre da periferia passar pela janela, como se fosse um mundo esquecido pelo resto da humanidade. Barracos de madeira e casebres pendurados nos morros. Mas estava por demais distraída para se sensibilizar com a tragédia dos homens.

A jovem rapariga, com apenas 22 anos, notou o olhar do taxista pelo retrovisor. Ele observava suas pernas dentro da saia curta. Patrícia ficou meio desconcertada em princípio, até mesmo envergonhada com aquilo. O homem ao volante levava no dedo a aliança de um compromisso conjugal e no rosto, junto com o bigode grande, as marcas de uns cinqüenta e poucos anos. Ele voltou a olhar as curvas da moça e ela pode perceber, então, o desejo naqueles olhos.

Sem muitas palavras e uma negociação rápida, eles chegaram a um motelzinho de beira de estrada, bem mais modesto do que os outros onde ela esteve durante a noite. Os letreiros luminosos já não funcionavam e, no muro, podiam-se ler palavrões pichados. Entraram no quarto pequeno e tiraram as roupas sem muita cerimônia. Em menos de 20 minutos tudo havia sido consumado e os dois corpos se estiraram lado a lado descansando. O taxista acendeu um cigarro e ofereceu outro a Patrícia, que aceitou prontamente. Fumaram e, em seguida, vestiram as roupas novamente.

Já no carro o senhor perguntou onde ela queria ficar. Patrícia deu a direção e eles seguiram em silêncio, apenas com algumas trocas de olhares desconcertantes de vem em quando. Poucos quilômetros à frente a moça desceu do veículo. O táxi seguiu seu trajeto. A rapariga também continuou seus passos tortos de quem está cansada. O salto machucava seus pés e a coluna doía.

Além de todas essas inconveniências de quem ganha a vida na noite, Patrícia ainda precisou ouvir assovios e piadas de mecânicos que começavam o dia em uma oficina da esquina. Não reclamava, apenas colocava um pé diante do outro para chegar a sua casa e dormir um pouco. O corpo exausto não permitia à sua mente funcionar corretamente. Assim, ela só caminhava. Já em seu habitat, a solidão lhe veio à porta receber com cumprimentos mudos. O estreito apartamento bagunçado revelava sua intimidade revirada de mulher da vida, que vive só, sem ninguém pra lhe ouvir e com muito a dizer.

* Diz-se do nome Patrícia “aquela que tem a solidão sempre como companheira”

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