Sobre o destino, o amor e outras mentiras


ESTA CRÔNICA TAMBÉM FOI PUBLICADA NO SITE JORNALIRISMO.

Não houve comoção, a princípio. Apenas um leve estremecer da espinha dorsal. Fiquei pensativo, digerindo aquela notícia. A morte de Mariana veio sacudir as minhas lembranças. Trinta anos após o nosso breve - porém intenso – envolvimento, parei para pensar em toda essa história de destino, amor e felicidade. Imaginei, por alguns minutos, como teria sido a minha vida se a houvesse passado ao lado daquela louca rapariga de olhos azuis e cabelos ruivos. Talvez ela não tivesse morrido tão jovem, ainda no calor dos quarenta e nove anos.

Soube do falecimento de Mariana por uma amiga em comum da nossa época de aventuras amorosas em noites desiludidas, a Raquel. Apesar do distanciamento emocional, essa amiga permaneceu como companheira de outras tantas desilusões. Foi Raquel quem nos apresentou e quem mais incentivou o nosso namoro. Relacionamento conturbado, principalmente devido a minha necessidade de liberdade e ao meu apreço à libertinagem.

Acabei de desligar o telefone e ainda estou sentado nessa poltrona antiga de pai atencioso. A casa está vazia. Meus filhos foram para a faculdade e a minha esposa foi visitar alguém no hospital. Nesses dias de descanso, já que me recupero de um leve Acidente Vascular Cerebral, tenho tempo para pensar no que quiser. E agora estou pensando em Mariana. Tento imaginar o seu corpo estirado sobre a calçada, em frente ao velho prédio em que vivera por todos esses anos. O mesmo apartamento, no alto do décimo segundo andar, onde passamos noites inteiras observando o céu, as estrelas e o infinito de nossos sonhos. Faltava-nos o juízo e sobrava desejo, saciado em parte por três elementos: o sexo, o cigarro e o álcool.

Não entendo o motivo, mas as recordações não chegam a tocar meus sentimentos. Acho que os perdi todos ao longo da vida. Aprendi a representar os papéis que me foram designados de uma maneira tão fiel que não sobrou espaço para essas coisas que transparecem fraqueza. Devo estar velho demais para me permitir tais embaraços. Olho pela janela afora e vejo tantas coisas. Vejo-as sem perceber a densidade do mundo que me cerca nesta manhã de verão. Uma pergunta incomoda meus pensamentos: o que teria levado Mariana ao suicídio?

Há muitos mistérios escondidos atrás dos olhos das pessoas. Boa parte, não conseguiremos desvendar jamais. A morte de Mariana talvez fique assim, inexplicável. Ela sempre teve seus segredos e isso dava ainda mais charme à sua aparência de menina sapeca. Foi esse encanto que me fez perder a cabeça e viver alguns dos anos de maior intensidade da minha juventude.

Fogem-me da memória todas as lembranças quando ouço um barulho de chave na porta. É a minha esposa que chega. Ela entra distraída e eu a observo. Parece uma mulher estranha, apesar de estarmos casados há mais de vinte e cinco anos. Nunca me acostumei com a presença dela, mas consigo fingir bem. O que fizemos nesse período foi seguir à risca o protocolo de casal. Temos até uma foto de família-feliz sobre a estante.

Dos meus olhos caem algumas lágrimas, que não chegam a ser notadas. Minha esposa coloca uma bolsa sobre a mesa, me fala algo sem importância e segue para o quarto. Só então percebo que estou chorando. Acho que, mesmo sem querer, me comovi com a morte de Mariana. A idade nos deixa desse jeito contraditório, de quem quer ser o herói forte, mas tem o coração partido. Minha vida me deixou assim. Talvez tenha sido culpa do destino, ou do amor, que nunca me deixou acreditar nas circunstâncias. As coincidências me fizeram pensar que tudo era farsa. Agora vou lavar e enxugar esse rosto velho, despido das máscaras. Preciso saber do velório de Mariana.

Um comentário:

Aline disse...

Meu Deus... to bege!!!
fiquei pasma... não com a cronica, c sabe com o que né milson??? a coincidencia das coisas!!!
To com medo de vc!!!
bjus