O sonho se passava em um lugar estranho, um pouco escuro e úmido, com um cheiro de móveis velhos e urina de rato. Carlos tentava fugir, mas era como se as paredes viessem de encontro a ele e quisessem lhe esmagar. Sua respiração ficava, a cada segundo, mais ofegante e o suor molhava seu rosto. O coração disparou. Ele queria escalar as paredes e sair daquele lugar. De repente, tudo começou a girar e o fio de luz que vinha do alto o fez perder parte da visão. Carlos só conseguia enxergar os vultos que o cercavam, como lobos ferozes a espreitar a ovelha. O coração bateu mais acelerado ainda e tudo o que ele conseguiu fazer foi soltar um forte grito.
A cama estava molhada de suor e o jovem ardia em febre. Não entendia o que significava o sonho que acabara de ter. Talvez fosse só uma alucinação causada pelo mal estar, mas as lembranças ficaram em sua memória.
Lá fora, a chuva se mostrava preguiçosa, a pingar em chuviscos que deixavam as ruas e os telhados luminosos. O céu estava coberto de nuvens cinza e o ar respirava um gosto de não-sei-o-quê. Pela demonstração de fúria da natureza, evidenciada na tempestade que varou a noite, dava para se ter uma idéia de que o verão não seria dos mais brandos.
A febre, a chuva e a baixa luz, alimentada apenas pela pouca claridade que vinha de fora do quarto, davam aquela cena uma monotonia e solidão que transbordavam os limites do corpo de Carlos.
Por mais de dez minutos ele ficou a olhar para o teto, imóvel, como se ainda refletisse o que sonhara instantes antes de acordar. Quando era criança, certa vez ouvira alguém falar que todo sonho tem um significado. Mas o que queria dizer aquelas coisas estranhas de seu pesadelo? Bobagem, pensou. Tudo era apenas reflexo da febre que teve por causa do resfriado. Na verdade, ele queria acreditar nisso para afastar as lembranças.
Girando a cabeça, ele procurou sobre a mesinha, que ficava ao lado da cama, o relógio para verificar as horas. Pela claridade que se via pela janela, mesmo embaçada pelas nuvens, dava para perceber que o dia já havia começado. Revirou entre os livros, papéis e outras bagunças e encontrou o bendito relógio. Eram sete horas. Não sabia o que significava ser sete horas.
O dia é domingo e ele não vai trabalhar. Por isso, pode dormir até mais tarde. Seu corpo também não se mostra com vontade para sair da cama. Então, Carlos simplesmente se abandona sobre o lençol e volta a dormir.
Se alguém o visse ali, não desconfiaria que acabara de ter um sonho tão pesado. Ele vai dormir muito e, desta vez, não sonhará. Também não voltará a sair da cama, pelo menos não antes do serviço funeral chegar. Talvez alguém chore por ele e lhe acenda uma vela em homenagem. Mas Carlos não é místico e o seu grande sonho, agora prestes a se realizar, sempre foi morrer em silêncio. Como este silêncio que se faz no mundo, abalado somente pela leve inquietude das lágrimas das nuvens. Se tivesse pensado um pouco mais, o jovem defunto teria entendido porque choveu tanto: alguém está a chorar por ele...
Admilson Veloso
A cama estava molhada de suor e o jovem ardia em febre. Não entendia o que significava o sonho que acabara de ter. Talvez fosse só uma alucinação causada pelo mal estar, mas as lembranças ficaram em sua memória.
Lá fora, a chuva se mostrava preguiçosa, a pingar em chuviscos que deixavam as ruas e os telhados luminosos. O céu estava coberto de nuvens cinza e o ar respirava um gosto de não-sei-o-quê. Pela demonstração de fúria da natureza, evidenciada na tempestade que varou a noite, dava para se ter uma idéia de que o verão não seria dos mais brandos.
A febre, a chuva e a baixa luz, alimentada apenas pela pouca claridade que vinha de fora do quarto, davam aquela cena uma monotonia e solidão que transbordavam os limites do corpo de Carlos.
Por mais de dez minutos ele ficou a olhar para o teto, imóvel, como se ainda refletisse o que sonhara instantes antes de acordar. Quando era criança, certa vez ouvira alguém falar que todo sonho tem um significado. Mas o que queria dizer aquelas coisas estranhas de seu pesadelo? Bobagem, pensou. Tudo era apenas reflexo da febre que teve por causa do resfriado. Na verdade, ele queria acreditar nisso para afastar as lembranças.
Girando a cabeça, ele procurou sobre a mesinha, que ficava ao lado da cama, o relógio para verificar as horas. Pela claridade que se via pela janela, mesmo embaçada pelas nuvens, dava para perceber que o dia já havia começado. Revirou entre os livros, papéis e outras bagunças e encontrou o bendito relógio. Eram sete horas. Não sabia o que significava ser sete horas.
O dia é domingo e ele não vai trabalhar. Por isso, pode dormir até mais tarde. Seu corpo também não se mostra com vontade para sair da cama. Então, Carlos simplesmente se abandona sobre o lençol e volta a dormir.
Se alguém o visse ali, não desconfiaria que acabara de ter um sonho tão pesado. Ele vai dormir muito e, desta vez, não sonhará. Também não voltará a sair da cama, pelo menos não antes do serviço funeral chegar. Talvez alguém chore por ele e lhe acenda uma vela em homenagem. Mas Carlos não é místico e o seu grande sonho, agora prestes a se realizar, sempre foi morrer em silêncio. Como este silêncio que se faz no mundo, abalado somente pela leve inquietude das lágrimas das nuvens. Se tivesse pensado um pouco mais, o jovem defunto teria entendido porque choveu tanto: alguém está a chorar por ele...
Admilson Veloso
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